Entrevista Pe. Nuno Maiato in Atlantico Expresso

Enquanto diretor espiritual do Grupo Coordenador do Movimento de Romeiros de São Miguel, quais são os desafios que considera que se colocam hoje espiritualmente aos romeiros?
Os de sempre. Espiritualmente os desafios são intemporais. O romeiro procura reencontrar-se consigo, com Deus e com os outros e, a partir deste reencontro, recuperar o sentido da sua existência. No fundo, cada irmão pretende responder, de acordo com o agora da sua existência, às questões verdadeiramente importantes da vida.

Ser romeiro hoje significa o quê, face à sua própria experiência e aos testemunhos que tem recolhido?
Uma necessidade e um desafio. Ao contrário do que algumas pessoas pensam e chegam a exigir dos romeiros, estes homens não são super heróis, nem santos, mas pessoas com consciência da sua condição de pecadores. E a partir deste conhecimento que tem deles próprios nasce a necessidade de Deus, isto é, n’Ele encontram a força e a paz para superarem as fragilidades e obstáculos que a vida os coloca. Consequentemente existe a vontade de serem melhores pessoas e cristãos o que se traduz num desafio constante nas suas vidas.

Há diferenças entre os romeiros de hoje e os de ontem? E dos de outras ilhas e dos que vêm de fora de São Miguel, nomeadamente da diáspora?
Substancialmente não, mas é obvio que a nível circunstancial existem diferenças e sempre vão existir. A história da humanidade e da igreja ensina-nos que os Homens de ontem e de hoje procuram o mesmo, a felicidade. No entanto, se esta procura igualiza-nos, diferenciamo-nos pelas circunstâncias do momento e local onde vivemos. Parafraseando o Papa João XXIII «é muito mais o que nos une do que o que nos separa».

Hoje quais os motivos que levam a que um homem comece a ser romeiro ou se mantenha nesta caminhada de fé, de ano para ano?
A motivação primeira pode ser fruto da curiosidade, de uma promessa ou de muitos outros motivos que só Deus e cada irmão romeiro conhecem. Depois da primeira romaria, entendo que o denominador mais comum é uma forte vivência da fraternidade que se faz durante uma romaria, isto é, pelo menos durante aquela semana sentimo-nos todos irmãos, não há pobre nem rico, senhor doutor ou carpinteiro. Se isso ainda não fosse suficientemente motivador, acontece uma evangélica e constante permuta de dons e de bens.
Estou cada vez mais convencido que uma romaria é como um workshop da vivência plena do que é ser igreja na sua tríplice dimensão: sacerdotal, profética e real ou de serviço. E esta vivência enriquece e propõe a cada romeiro um modo diferente de estar e fazer a romaria da vida. A romaria aperfeiçoa-nos, mas não nos torna perfeitos, por isso, estes homens precisam de continuar romeiros.

5. Este ano houve mais ou menos homens a procurar aderir às romarias?
Este ano somos cerca de 2400 irmãos, num total de 55 ranchos, o que significa que a adesão às romarias está de acordo com o que tem sido habitual nos últimos anos.

As Romarias Quaresmais este ano estão já a decorrer entre 21 de fevereiro e 2 de abril sob o lema “A Alegria do Evangelho proposta na Exortação Apostólica do Papa Francisco, a partir das várias dimensões da vida”. Pode falar-nos um pouco desta exortação do Papa e da importância da caminhada tendo ao peito, de cada romeiro, uma fita benta pelo mesmo, em sinal de união?
Numa frase, a exortação pode-se resumir na urgência e dever que todos os cristãos devem sentir em partilharem e testemunharem, com a autenticidade que o evangelho nos desafia, a verdadeira alegria de sermos cristãos, que é Jesus Cristo. O papa diz-nos, entre muitas coisas, (que os anteriores Papas já disseram, mas numa linguagem mais próxima das pessoas e por isso mais motivadora) que prefere «uma igreja acidentada» porque é ousada, porque arrisca na forma como comunica esta alegria, do que «uma igreja comodamente fechada» em estruturas e vivências caducas e com cada vez menos sentido. A esta igreja, do «primeiro ao último batizado», recorda que a atenção aos pobres não é uma opção, mas a primeira e essencial obrigação na vida de todos os cristãos.
Quanto às fitas, estas pretendem, de facto, ser um sinal de união com o Papa e com a Igreja. Em dezembro passado, dois elementos do Grupo Coordenado foram entregar ao Papa o ramalhete espiritual das romarias quaresmais de 2014. Fizeram-no em nome de todos romeiros e por isso, naquele momento pediram a bênção do Santo Padre para todos, bênção esta que simbolicamente se materializa nestas fitas sobre as quais o Papa nos abençoou. Igualmente simbólico, é o gesto do romeiro a colocar junto ao peito, recorda  o desejo que Francisco apresentou, na sua mensagem para a quaresma deste ano, a toda a Igreja para pedirmos a Deus com ele: «Senhor, fazei o nosso coração semelhante ao vosso».

In Atlantico Expresso (02/03/2015)