Na Sua Mensagem para a Quaresma deste ano, o Papa Francisco apresenta-nos a caminhada de conversão à pobreza evangélica, no seguimento de Cristo, que fez-Se pobre, para nos enriquecer com a Sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9).
«Faz impressão – adverte o Santo Padre – ouvir o Apóstolo dizer que fomos libertados, não por meio da riqueza de Cristo, mas por meio da Sua pobreza… Não se trata dum jogo de palavras, duma frase sensacional. Pelo contrário, é uma síntese da lógica de Deus: a lógica do amor, a lógica da Encarnação e da Cruz…
«Em que consiste, então, esta pobreza, com a qual Jesus nos liberta e torna ricos? É, precisamente, o seu modo de nos amar, o seu aproximar-se de nós, como fez o Bom Samaritano com o homem abandonado, meio morto, na berma da estrada (cf. Lc 10, 25-37)… A pobreza de Cristo, que nos enriquece, é Ele fazer-Se carne, tomar sobre si as nossas fraquezas, os nossos pecados, comunicando-vos a misericórdia infinita de Deus» (Papa Francisco, Mensagem para a Quaresma 2014=MQ 2014).
1. Primado da Graça
Nesse sentido, não há caminhada de conversão, sem experimentar o Primado da Graça, na nossa vida. «A salvação, que Deus nos oferece, é obra da Sua misericórdia… Por pura graça…». (Papa Francisco, Evangelii Gaudium=EG, 112). Em Cristo e por Cristo.
Desta primazia da graça deriva a centralidade de Cristo, na vida cristã. Não há conversão, sem o encontro pessoal com a Pessoa de Cristo. «Em cada época e lugar, Deus continua a salvar os homens e o mundo por meio da pobreza de Cristo, que Se faz pobre nos Sacramentos, na Palavra e na Sua Igreja…» (MQ 2014).
Daqui o lugar determinante da Liturgia, na nossa caminhada de conversão. Para experimentar a força transformadora da graça, a Quaresma tem de ser um momento de intensa vida sacramental, nomeadamente a celebração da Eucaristia e da Reconciliação.
Os tradicionais “Laus Perenis”, com a celebração do Sacramento da Reconciliação, são momentos fortes a valorizar e a tornar significativos, como encontro pessoal com a Pessoa de Cristo, Nosso Salvador.
2. Primado da Palavra
«Completou-se o tempo e aproxima-se o Reino de Deus; mudai de vida e acreditai no Evangelho» (Mc 1, 15). Foi assim que Jesus iniciou a Sua pregação. A conversão implica mudança de vida, pelo caminho do Evangelho de Jesus, que é preciso conhecer sempre melhor, para pôr em prática.
A Quaresma, como caminhada de conversão, implica, pois, assídua escuta e meditação prolongada da Palavra do Evangelho. O Papa Francisco interpela continuamente a Igreja, no sentido de levar o Evangelho de Jesus a todas as periferias existenciais. Mas o querigma também tem de ressoar dentro da comunidade eclesial. Também os que estão dentro da Igreja precisam de escutar e meditar este primeiro anúncio.
«Ao designar-se como “primeiro” este anúncio, não significa que o mesmo se situa no início e que, em seguida se esquece ou substitui por outros conteúdos que o superam; é o primeiro, em sentido qualitativo, porque é o anúncio principal, aquele que se tem de ouvir sempre, de diferentes maneiras e aquele que se tem de anunciar sempre, de uma forma ou de outra, durante a catequese, em todas as suas etapas e momentos» (EG, 163).
3. Primado do Testemunho
Hoje fala-se muito de Nova Evangelização. O Papa Francisco, na recente Exortação Apostólica – «A Alegria do Evangelho» – insiste na conversão pastoral. E também na conversão das pessoas. É que não há Evangelização, sem testemunho de vida. A Igreja só transmite a fé que vive. É verdade que a fé é dom de Deus. Vem do Alto, mas através da mediação da Igreja, que somos todos nós os baptizados. Para que as pessoas abram o seu coração ao dom da fé, têm de ver algo, na nossa vida, que as interpele.
Urge, nesta Quaresma, fazer um sério exame de consciência, para ver até que ponto damos testemunho às pessoas, para descobrirem, na proposta cristã, algum sentido para a vida. E, como sabemos, o grande testemunho da fé cristã é o amor fraterno.
Não há conversão a Cristo, se não nos convertermos ao irmão. «Sempre que fizestes isto a um destes Meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40). Jesus identifica-se com o nosso próximo. Não O podemos servir, sem servir o irmão. «Nisto conhecerão que sois Meus discípulos, se vos amardes uns aos outros…, como Eu vos amei» (Jo 13, 34-35). Como é que Jesus nos amou? Dando a vida.
Renúncia Quaresmal
Amar é servir. E servir é dar a vida, colocar o próprio tempo, qualidades, competências e bens materiais ao serviço dos outros, indo ao encontro dos que mais precisam. Tal é o sentido da Renúncia Quaresmal, que queremos promover, ao longo deste tempo.
Trata-se de renunciar a algo, ao longo da Quaresma, para auxiliar quem mais precisa. No fim da Quaresma (Domingo de Ramos), o fruto desta renúncia será entregue à Caritas diocesana, para integrar o “Fundo de Emergência Social”, constituído com receitas anteriores da Renúncia Quaresmal e por fundos da Caritas Nacional e dos Açores.
Esperamos que, com este e outros apoios, o Fundo possa continuar a cumprir a sua missão junto das pessoas e famílias mais carenciadas. Importa que os pedidos de ajuda sigam os tramites estabelecidos e já divulgados, para haver rigor e objectividade.
A Quaresma é tempo de jejum e abstinência, de que a renúncia é expressão. Não se trata apenas de dar do nosso supérfluo, mas de renunciar a algo, para ir ao encontro do irmão necessitado. Como sugere o Santo Padre, «a Quaresma é tempo propício para o despojamento; e far-nos-á bem questionar-nos acerca do que nos podemos privar, a fim de ajudar e enriquecer a outros com a nossa pobreza. Não esqueçamos que a verdadeira pobreza dói: não seria válido um despojamento sem esta dimensão penitencial. Desconfio da esmola que não custa nem dói» (MQ 2014).
·Dia Nacional da Caritas
Dentro deste espírito de solidariedade cristã, realiza-se, em Portugal, no 3º Domingo da Quaresma (23 de Março), o Dia Nacional da Caritas, este ano, sob o lema: «Unidos no amor. Juntos contra a fome». É o tema da Campanha da Caritas Internacional contra a fome no mundo.
Será mais uma ocasião, para que a nossa caminhada quaresmal esteja marcada pelo que é essencial na vivência da fé cristã: o amor do próximo. O ofertório desse dia destina-se, precisamente, à Caritas diocesana. E, para comprometer toda a comunidade, nessa luta contra a pobreza, haverá, durante a semana, peditórios de rua, promovidos pela Caritas, com a finalidade de apoiar as pessoas e famílias, que continuamente e, sempre em maior número, recorrem ao apoio da Caritas.
·Dia Diocesano do Doente
Como acontece em todo o Portugal, celebramos o Dia Diocesano do Doente, no Vº Domingo da Quaresma (6 de Abril). É também uma oportunidade, para pormos em prática o mandamento do amor, que não pactua com a “cultura do descartável”.
A Igreja «há-de chegar a todos sem excepção. Mas a quem deveria privilegiar? Quando se lê o Evangelho, temos uma orientação muito clara: não tanto aos amigos e vizinhos ricos, mas sobretudo aos pobres e doentes, àqueles que muitas vezes são desprezados e esquecidos, “àqueles que não têm com que te retribuir” (Lc 14, 14)» (Papa Francisco, EG 48).
O Dia Diocesano do Doente é mais uma oportunidade, para dar corpo, na caminhada da Quaresma, à solidariedade de proximidade. O amor autêntico não são palavras bonitas, mas actos e gestos concretos, que devem envolver pessoas e comunidades.
·Jornada Mundial da Juventude
Para a Jornada Mundial da Juventude, que se celebra no Domingo de Ramos (13 de Abril), o Papa insiste de novo sobre a pobreza evangélica, explicando a 1ª das Bem-Aventuranças: «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus» (Mt, 5, 3). Para que esta pobreza em espírito se transforme em estilo de vida, o Santo Padre aponta três caminhos:
a) «Antes de mais nada, procurai ser livres em relação às coisas. O Senhor chama-nos a um estilo de vida evangélico, caracterizado pela sobriedade, chama-nos a não ceder à cultura do consumismo. Trata-se de buscar o essencial, aprender a despojarmo-nos de tantas coisas supérfluas e inúteis que nos sufocam… Mesmo para superar a crise económica, é preciso estar prontos a mudar o estilo de vida, a evitar tantos desperdícios. Como é necessária a coragem da felicidade, também é precisa a coragem da sobriedade.
b) «Em segundo lugar, para viver esta bem-aventurança, todos necessitamos de conversão em relação aos pobres. Devemos cuidar deles, ser sensíveis às suas carências espirituais e materiais…
c) «Mas – e chegamos ao terceiro ponto – os pobres não são pessoas a quem podemos apenas dar qualquer coisa. Eles têm tanto para nos oferecer, para nos ensinar. Muito temos nós a aprender da sabedoria dos pobres… Os pobres podem ensinar-nos muito também sobre a humildade e a confiança em Deus…» (Papa Francisco, Mensagem para a Jornada Mundial da Juventude 2014).
Ao concluir, não podemos esquecer que, nesta Quaresma, celebra-se a 13 de Março o 1º aniversário da eleição do Papa Francisco e, a 19 de Março, comemora-se a Sua tomada de posse, como Bispo de Roma e Sumo Pontífice.
Ora, o Santo Padre pede continuamente que rezemos por Ele. Assim se exprime, no final da Mensagem Quaresmal deste ano: «Peço-vos que rezeis por mim».
Sabemos que os nossos Romeiros comprometeram-se a intensificar a oração pelo Papa, ao longo de toda a Quaresma. Vamos acompanhá-los, nessa Romaria de penitência e oração, pois «se o Senhor não edificar a casa, em vão se afadigam os construtores» (Sl 127).
+ António, Bispo de Angra
PDF MRSM MENSAGEM BISPO QUARESMA 2014.pdf (541,6 kB)