Romeiros do Arcanjo São Miguel. Opinião de Fernando Castro

Caros Irmãos e Amigos,

Na minha condição de romeiro, tomei a liberdade de vos dirigir estas linhas, a fim de partilhar convosco a minha satisfação por, em boa hora, o “Movimento de Romeiros de São Miguel” ter decidido proceder a “um levantamento e recolha, de todo o material existente relativo à história e vida deste Movimento”.
Penso ser da maior importância esta vossa iniciativa (e eventualmente outras, como a da criação de um museu do romeiro), que considero a todos os títulos louvável, o que irá certamente permitir uma maior compreensão e aprofundamento (apesar do que já foi até agora compilado e escrito) sobre as raízes, a história e a espiritualidade desta maravilhosa devoção, que eu próprio decidi abraçar com entusiasmo desde 1983.
Embora não tendo nascido em S. Miguel, devo confessar-vos que me senti fascinado, desde a primeira hora em que para cá vim viver (1980), pela “nossa” cultura religiosa e seus valores. Enfim, por tudo aquilo que o devoto sacerdote e escritor vilafranquense, Padre Ernesto Ferreira, conseguiu, com mestria, descrever no seu livro intitulado “A Alma do Povo Micaelense”.
Se me é permitido, gostaria de partilhar convosco uma curta passagem do referido livro, sobre os Romeiros:
“Não queiras desarreigar de seus corações a mimosa flor da fé; não queiras quebrar o vaso que encerra o perfume das tradições que receberam de seus maiores e que conservam como a mais preciosa herança. Arrancar da alma popular a ideia do maravilhoso, o sentimento de religiosidade, é um crime nefando, porque é tirar-lhe toda a esperança de gozo e de felicidade.”
Pela boca do ilustre sacerdote, se consegue perceber do alto grau de estima que o mesmo nutria pelos Romeiros, e da sua enorme preocupação em querer manter intacta (sem desvios) esta multissecular devoção. Na verdade, não podemos nunca cair na tentação de a querer “modernizar”, ou de querer criar algo de novo que a venha descaracterizar.
Este excerto permite-nos ainda entender muito sobre valor da fé, da alegria e da felicidade que os nossos irmãos romeiros que nos precederam traziam nos seus corações. Nós, também já tivemos a felicidade de experimentar esses mesmos sentimentos.
Como sabeia, os “Romeiros do Arcanjo São Miguel” são um Movimento de oração, de doação e de partilha, alegre e bem-disposto, não obstante as dores, os sacrifícios e as dificuldades, maiores ou menores, que cada romeiro enfrenta na sua caminhada. Sabemos, irmãos romeiros, que não caminhamos sozinhos nesta nossa aventura espiritual: vamos sempre acompanhados e amparados pela Sagrada Família de Nazaré.
“Irmãos: quantos são?”, perguntam os que nos pedem orações. “Somos 38”, responde o irmão “procurador das almas”. Efectivamente, somos 35 irmãos + 3 (Jesus, Maria e José). Assim, como sabeis, está sempre presente connosco a Sagrada Família de Nazaré, que é o modelo perfeito das famílias cristãs. Podemos afirmar que uma das características, ou carisma, deste movimento é o amor à família. Quantos milhares de famílias, para além das nossas, vivem a Romaria, nos apoiam, rezam por nós e nos acolhem nas suas próprias casas? Aqui referimo-nos, obviamente, ao único e exclusivo modelo, natural, de família, querido por Deus e defendido pela Sua Igreja.
Neste contexto, seria talvez oportuno partilhar convosco uma das mais recentes intervenções do nosso Papa Francisco: “Hoje é a memória litúrgica da Bem-Aventurada Virgem Maria de Fátima. Caros jovens, aprendei a cultivar a devoção à Mãe de Deus, com a recitação diária do Rosário; prezados enfermos, senti Maria presente na hora da cruz; e vós, amados recém-casados, invocai-A para que na vossa casa nunca falte o amor nem o respeito recíproco.” (Audiência Geral de 13 de Maio de 2015).
Não encontrarão eco estas reflexões do Santo Padre nos “Romeiros do Arcanjo São Miguel” que, com as contas do Rosário na mão, cantando a Ave-Maria, visitam as “casas de Nossa Senhora”?
Ignorar estas realidades objectivas parece-me, queridos Irmãos, não se ter entendido ainda a verdadeira natureza das “Romarias”.
Pelo facto de sermos “Ranchos de Romeiros do Arcanjo São Miguel”, não o somos menos “Ranchos de Romeiros de Nossa Senhora”, ou “Ranchos de Jesus”.
Usando este mesmo tipo de argumentação (bastante em voga na nossa diocese, infelizmente) não faria qualquer sentido que congregações e ordens religiosas que não ostentam o nome de Jesus nas suas designações, fossem, por esse facto, menos pertença de Jesus. Seria absurdo pensar-se, que pelo facto de se denominarem “Irmãs Servas de Maria Imaculada”, “Congregação de S. José de Cluny”, “Franciscanos da Imaculada Conceição”, estas instituições da Igreja, fiéis ao seu carisma, estivessem mais afastadas de Jesus, do que outras que ostentam o Seu nome. Com toda a franqueza: não estaremos a cair em preciosismos ou modas teológicas que nada têm a ver com a doutrina católica?
Há que respeitar e defender, caros irmãos, a verdade e a integridade dos “Romeiros do Arcanjo São Miguel”. É um dever sagrado de todos os romeiros, ao qual não podemos fugir. Como nos ensina o Papa Francisco, “na piedade popular, por ser fruto do Evangelho inculturado, subjaz uma força activamente evangelizadora que não podemos subestimar: seria ignorar a obra do Espírito Santo.” («Evangelium Gaudium», n.º 126).

Um abraço fraterno do irmão Fernando Castro

Os fios dos xailes dos Romeiros

Desde que os romeiros são romeiros que dos seus xailes caiem fios no chão das estradas, igrejas e casas por onde passam. Um pormenor, sem a mínima importância, que este ano me fez refletir e rezar.

Não houve dia, em que eu não encontrasse um ou mais fios dos xailes destes irmãos na fé que estavam em peregrinação quaresmal. Nos mais díspares e distantes lugares, da nossa ilha, encontrei-me com um silencioso e recatado rasto de fé.

Cada fio falava-me de uma vida, de várias vidas confiadas a Deus durante aqueles dias. No meu coração e mente, fiz de todos eles um novelo de oração, penitencia e partilha porque são destes fios que se fazem uma romaria. Quando chegou o momento de catalogar e guardar esta minha vivência quaresmal escolhi coloca-la no cesto dos Testemunhos. E porquê? Não por ser um dos muitos testemunhos de fé que a Igreja, povo de Deus, no anonimato dos seus fiéis me oferece continuamente, mas porque denunciavam a urgência e o modo como devemos testemunhar o Mestre dos mestres, Jesus Cristo.

Não há hora nem lugar determinado, todo o tempo e espaço é propício para darmos testemunho de Jesus. Não é dia sim, dia não. É em cada dia, na normalidade das nossas vidas, muitas vezes sem nos apercebermos, que as nossas palavras, gestos e escolhas são autênticos fios que marcam a diferença num quotidiano cada vez mais inferente ao amor a Deus e ao próximo.

A propósito, ainda trago na oração o adolescente do Paquistão, com apenas 14 anos, que na semana passada, não hesitou em afirmar-se cristão perante um grupo de adolescentes muçulmanos que responderam à sua coragem com a cobardia de o queimarem vivo. Nauman Masih deu a vida pelo Cordeiro de Deus que se imolou para nossa salvação. Sem dúvida, um mártir dos nossos dias.

Seria eu capaz? Não sei. Sinceramente… não sei! O fato é que nunca fui confrontado com tamanha adversidade, mas tenho a certeza de que perante outras adversidades que me desafiam igualmente a testemunhar Aquele que é a razão da minha fé, tenho que responder com a mesma ousadia e confiança, porque se não o fizer a minha adesão a Jesus será incompleta.

Perante esta certeza, Romeiros e não Romeiros, todos os cristãos, têm de dar razões da sua fé. Uma vez que o Reino de Deus tece-se com os fios, singelos e aparentemente insignificantes, de verdade, de justiça e do amor com que vamos marcando a nossa passagem, a nossa existência. Com estes fios não se fazem enredos, mas novelos, verdadeiramente, da vida real, que vale a pena seguir nos écrans da vida.

Pe. Nuno Maiato

diariodalagoa.com

Rancho de Romeiros da Senhora da Luz: Pedreira/Vila de Nordeste – 2015

Estrela do Céu Perpétua, Senhora da Luz,
Santa Maria, preferida, e extremosa Mãe,
do teu glorificado seio nasceu o Bom Jesus,
Bendita sejais pelos séculos, sem fim, Amén.

Cantamos, ao longo da ilha, com clamor,
Iluminas os romeiros que seguem em oração,
em cada passo dado, sentimos com fervor,
um renascer de paz, de partilha, de comunhão.

Somos romeiros de fé, testemunhas da alegria,
humildade, esperança, caridade e louvor,
na Maravilhosa Semana que é a Romaria,
renascem homens livres, repletos de Amor.

Avé Maria, Cheia de Graça, fonte de ser que reluz,
nós te queremos louvar, em súplica cantada,
Senhora Miraculosa, Santíssima Mãe de Jesus.

Em ti encontramos forças para levar a nossa cruz,
as orações rezadas te oferecemos na caminhada,
Dá-nos a Tua Santa Benção Nossa Senhora da Luz!

22/02/2015
António Manuel Amaro Correia Sequeira
Rancho de Romeiros Senhora da Luz – Pedreira/Vila de Nordeste

Romeiros

Eles são jovens, ou menos jovens. De agasalho têm um xaile, um lenço sobra a cabeça. Por demais, um plástico para minorar as gotas de suor, ou uns pingos de chuva. Por vezes diluviana. Ou não. Una sapatos leves, um bordão. Bordão esse que os ajudará a subir montes e descer vales. Por vezes descansando, rezando, meditando. Nas costas um saco que já foi “pesado”. Hoje, e por via da evolução, mais suave. Mas significativo.

Faça chuva, sol, frio, vento, lá vão eles, semblante sério, poucas vezes olhando em redor, mas com uma firmeza: a fé!  Uma fé única e que não se explica. Sente-se e vive-se. Durante aquela semana são irmãos. De si e dos outros synthroid 50 mcg. Até daqueles que em viagem não seguem, fisicamente, mas que os fazem transportar em espírito. Depois, momentos têm de reflexão, das suas dificuldades quotidianas, familiares, sociais e profissionais. Ouvem-se uns aos outros, entreolham-se e “abafam” com fé algumas e todas as dificuldades que o seu irmão vive, ou viveu. E rezam. Em voz única, e ao calor de cantares, únicos e sentidos, elevam a fé. E continuam. O que lá se passa, durante a semana, não se sabe. A união, o sofrimento, em conjunto, o querer é tal que só eles o sabem viver, e da forma como o vivem. E, durante o ano normal, pós quaresma, quando se encontram, chamam-se de irmãos. Algo os uniu. E de ano em ano, repetem.

Há tempos a esta parte, as romarias estiveram “moribundas”? Talvez, mas nunca perderam o seu sentido. Rejuvenesceram-se e muito. E se hoje em dia os ranchos têm oferta de pequeno-almoço e almoço, porque o jantar está garantido como antigamente, se calhar é porque muitos “romeiros”, anónimos ou não, abrem a alma, o coração, para partilhar com eles a fé, em redor de uma mesa de apóstolos em que todos são discípulos do mesmo querer. Estão na rua, e são os romeiros de São Miguel!

Jorge Machado/ In Diário da Lagoa