Caros Irmãos e Amigos,
Na minha condição de romeiro, tomei a liberdade de vos dirigir estas linhas, a fim de partilhar convosco a minha satisfação por, em boa hora, o “Movimento de Romeiros de São Miguel” ter decidido proceder a “um levantamento e recolha, de todo o material existente relativo à história e vida deste Movimento”.
Penso ser da maior importância esta vossa iniciativa (e eventualmente outras, como a da criação de um museu do romeiro), que considero a todos os títulos louvável, o que irá certamente permitir uma maior compreensão e aprofundamento (apesar do que já foi até agora compilado e escrito) sobre as raízes, a história e a espiritualidade desta maravilhosa devoção, que eu próprio decidi abraçar com entusiasmo desde 1983.
Embora não tendo nascido em S. Miguel, devo confessar-vos que me senti fascinado, desde a primeira hora em que para cá vim viver (1980), pela “nossa” cultura religiosa e seus valores. Enfim, por tudo aquilo que o devoto sacerdote e escritor vilafranquense, Padre Ernesto Ferreira, conseguiu, com mestria, descrever no seu livro intitulado “A Alma do Povo Micaelense”.
Se me é permitido, gostaria de partilhar convosco uma curta passagem do referido livro, sobre os Romeiros:
“Não queiras desarreigar de seus corações a mimosa flor da fé; não queiras quebrar o vaso que encerra o perfume das tradições que receberam de seus maiores e que conservam como a mais preciosa herança. Arrancar da alma popular a ideia do maravilhoso, o sentimento de religiosidade, é um crime nefando, porque é tirar-lhe toda a esperança de gozo e de felicidade.”
Pela boca do ilustre sacerdote, se consegue perceber do alto grau de estima que o mesmo nutria pelos Romeiros, e da sua enorme preocupação em querer manter intacta (sem desvios) esta multissecular devoção. Na verdade, não podemos nunca cair na tentação de a querer “modernizar”, ou de querer criar algo de novo que a venha descaracterizar.
Este excerto permite-nos ainda entender muito sobre valor da fé, da alegria e da felicidade que os nossos irmãos romeiros que nos precederam traziam nos seus corações. Nós, também já tivemos a felicidade de experimentar esses mesmos sentimentos.
Como sabeia, os “Romeiros do Arcanjo São Miguel” são um Movimento de oração, de doação e de partilha, alegre e bem-disposto, não obstante as dores, os sacrifícios e as dificuldades, maiores ou menores, que cada romeiro enfrenta na sua caminhada. Sabemos, irmãos romeiros, que não caminhamos sozinhos nesta nossa aventura espiritual: vamos sempre acompanhados e amparados pela Sagrada Família de Nazaré.
“Irmãos: quantos são?”, perguntam os que nos pedem orações. “Somos 38”, responde o irmão “procurador das almas”. Efectivamente, somos 35 irmãos + 3 (Jesus, Maria e José). Assim, como sabeis, está sempre presente connosco a Sagrada Família de Nazaré, que é o modelo perfeito das famílias cristãs. Podemos afirmar que uma das características, ou carisma, deste movimento é o amor à família. Quantos milhares de famílias, para além das nossas, vivem a Romaria, nos apoiam, rezam por nós e nos acolhem nas suas próprias casas? Aqui referimo-nos, obviamente, ao único e exclusivo modelo, natural, de família, querido por Deus e defendido pela Sua Igreja.
Neste contexto, seria talvez oportuno partilhar convosco uma das mais recentes intervenções do nosso Papa Francisco: “Hoje é a memória litúrgica da Bem-Aventurada Virgem Maria de Fátima. Caros jovens, aprendei a cultivar a devoção à Mãe de Deus, com a recitação diária do Rosário; prezados enfermos, senti Maria presente na hora da cruz; e vós, amados recém-casados, invocai-A para que na vossa casa nunca falte o amor nem o respeito recíproco.” (Audiência Geral de 13 de Maio de 2015).
Não encontrarão eco estas reflexões do Santo Padre nos “Romeiros do Arcanjo São Miguel” que, com as contas do Rosário na mão, cantando a Ave-Maria, visitam as “casas de Nossa Senhora”?
Ignorar estas realidades objectivas parece-me, queridos Irmãos, não se ter entendido ainda a verdadeira natureza das “Romarias”.
Pelo facto de sermos “Ranchos de Romeiros do Arcanjo São Miguel”, não o somos menos “Ranchos de Romeiros de Nossa Senhora”, ou “Ranchos de Jesus”.
Usando este mesmo tipo de argumentação (bastante em voga na nossa diocese, infelizmente) não faria qualquer sentido que congregações e ordens religiosas que não ostentam o nome de Jesus nas suas designações, fossem, por esse facto, menos pertença de Jesus. Seria absurdo pensar-se, que pelo facto de se denominarem “Irmãs Servas de Maria Imaculada”, “Congregação de S. José de Cluny”, “Franciscanos da Imaculada Conceição”, estas instituições da Igreja, fiéis ao seu carisma, estivessem mais afastadas de Jesus, do que outras que ostentam o Seu nome. Com toda a franqueza: não estaremos a cair em preciosismos ou modas teológicas que nada têm a ver com a doutrina católica?
Há que respeitar e defender, caros irmãos, a verdade e a integridade dos “Romeiros do Arcanjo São Miguel”. É um dever sagrado de todos os romeiros, ao qual não podemos fugir. Como nos ensina o Papa Francisco, “na piedade popular, por ser fruto do Evangelho inculturado, subjaz uma força activamente evangelizadora que não podemos subestimar: seria ignorar a obra do Espírito Santo.” («Evangelium Gaudium», n.º 126).
Um abraço fraterno do irmão Fernando Castro