A minha romaria começou quando decidi que faria parte do grupo de romeiros da freguesia da Ponta Garça… A ausência de fé e a crença a dissipar-se diariamente foram os primeiros impulsos pessoais a despontar esta vontade. Estes factores associados a uma enorme vontade de ter a mesma experiência que teve o meu pai no ano de 2000 foram determinantes para querer ir de romeiro.
A expectativa era muita, as dúvidas e a inquietude aumentavam e tomavam conta de mim a cada dia que passava.
Finalmente chegou a hora da partida, o rancho estava formado e entoavam-se os primeiros cânticos de oração – começava a minha romaria. Durante 8 dias estive integrado num rancho de homens com idades muito díspares e não compreendia muito bem como se ligavam todas estas almas juntas num rancho – qual a pertinência destes irmãos mais novos juntamente com outros que já levavam décadas de romaria?!? Com o passar do tempo tudo começou a fazer sentido, tudo se tornou lógico, pelos testemunhos, pelas conversas pontuais ou pelas vivências e conhecimentos de cada um… A harmonia que se foi instaurando com o passar dos dias potenciou a entrega de todos os irmãos, potenciou a partilha e, acima de tudo, a união entre todos – assim nasceu uma família, uma nova família.
Os dois primeiros dias foram radiantes, tudo era novidade, tudo tinha cor, cheiro e forma. Também existia nestes dias mais “ruído mental” e a entrega e concentração não estavam optimizadas. A despedida da freguesia dos arrifes foi, sem dúvida, um marco na romaria do rancho da ponta garça – é a partir desse dia que se começa a sentir a verdadeira doçura da romaria. Quando a escuridão abraça os olhos, a maneira mais eficaz de se caminhar é a oração; entregamo-nos com uma confiança cega nos nossos guias, a silhueta do irmão da frente é referência e as palavras do Irmão Mestre são ordens de comando para a nossa peregrinação. Rezamos num silêncio ensurdecedor e a luz começa a ganhar forma, o caminho fica para trás e a família transporta-se na fé e na compaixão de uns pelos outros.
Nos cinco dias seguintes fomos recolhidos e “arrumados” na casa de várias famílias nas freguesias que pernoitamos, e de tudo o que vivenciei nesses dias, relembro com saudade o amor, a dedicação e o carinho que estas famílias foram demonstrando – tanto nos deram! Mas, mais do que isso, relembro a esperança, a fé e o amor incondicional que estas famílias depositam nos romeiros, a entrega das suas preces, das suas dores e das suas intenções, como se estes fossem os profetas de Deus, como se fossemos verdadeiros anjos.
Nos últimos dois dias as pernoitas foram conjuntas, em salões, já com o cansaço a dominar a maior parte do tempo e a gestão do esforço físico juntamente com o esforço psicológico tornam-se determinantes para a superação diária. o Romeiro é um homem de superação diária, e quanto mais perto estamos de casa, a superação pode ser horária, somos testados até ao último minuto.
As mensagens de Deus vão começando a fazer sentido – tudo o que se ouve, vê ou lê tem o seu significado, muitas vezes da forma que menos esperávamos. Até podem nem estar a falar diretamente para nós, mas a “moral” da história é essa mesmo – só precisamos de estar predispostos a receber essas mensagens e para ouvi-las é preciso escutar mais do que falar. Para mim, muito do que fui ouvindo durante a minha romaria só começou a fazer sentido nos últimos dias, nas últimas caminhadas – que paz, que sentimento, que maravilha…
A fé e a crença fazem parte de mim novamente, sinto-me uma Fénix, implodi nas cinzas e delas renasci, mais jovem, mais bonito, mais bondoso, não na minha imagem, mas na minha alma, nas minhas palavras e no meu amor ao próximo.
Como diz uma música “…sou ilhéu, sou baleeiro, agora também sou romeiro…”
Uma vez Romeiro, para sempre Romeiro.
Seja sempre louvada a sagrada paixão, morte e ressurreição de nosso senhor Jesus Cristo.
Romeiro de Ponta Garça