Romeiros de São Miguel não enjeitam candidatura à UNESCO mas querem elaborar proposta “abrangente e sustentada”

Coordenador do Movimento garante que a candidatura a Património Imaterial da Humanidade vem sendo pensada internamente há já algum tempo

Os próximos anos vão “ser decisivos para fundamentar e sustentar” uma eventual candidatura dos Romeiros de São Miguel a Património Imaterial da Humanidade, da Unesco e o trabalho já começou a ser desenvolvido internamente depois da constituição da equipa de cultura, disse esta terça feira ao Sítio Igreja Açores  o coordenador do Movimento de Romeiros de São Miguel (MRSM), João Carlos Leite.

Este fim de semana, o recém eleito líder do CDS PP, Artur Lima, no discurso de encerramento do congresso regional dos populares, no Pico, avançou com a noticia de que o partido está a preparar uma iniciativa legislativa que “recomende ao Governo a organização deste dossiê” por forma que possa existir uma “candidatura regional desta tradição religiosa e cultural” à UNESCO.

Em declarações ao Sítio Igreja Açores o líder dos populares diz que a iniciativa dará entrada no parlamento ainda durante esta sessão legislativa e que espera ter um encontro com a direção do movimento “para que a fundamentação da proposta seja o mais fiel possível ao espírito do movimento”.

“Queremos que a nossa proposta seja institucional e não há qualquer outra motivação que não o reconhecimento, que é devido, a esta tradição secular e histórica do povo açoriano, especialmente dos micaelenses”, sublinha Artur Lima dizendo que “a iniciativa legislativa está em bom ritmo”.

Para o Coordenador do MRSM “todas as iniciativas abrangentes são bem vindas pois como cristãos queremos abraçar todos e receber o contributo de todos” mas também “gostaríamos que respeitassem a nossa autonomia como movimento dentro da Igreja e fora do espaço político”.

João Carlos Leite adianta, ainda, que uma proposta desta natureza tem de ser “devidamente fundamentada numa investigação histórica, religiosa e social profunda e séria de forma a que uma possível candidatura seja bem sucedida”.

“Julgo que temos sete anos para fazer este trabalho, que é necessariamente moroso e detalhado, e não nos devemos precipitar por entusiasmos conjunturais”, disse ainda o dirigente.

As Romarias de São Miguel completam 500 anos em 2022 e essa “seria uma data muito interessante para podermos ter este reconhecimento”, precisa.

“O nosso movimento tem uma história, uma identidade e um carisma religioso que importa estudar e maturar da melhore maneira possível e é isso que estamos a fazer dando os primeiros passos através da ação dos elementos que integram a equipa da cultura”, adiantou ainda João Carlos Leite.

De resto, no passado dia 26 de maio, esta equipa reuniu-se já com um plano de atividades e entre mãos, apara além da recolha destes elementos históricos, tem também a tarefa de recolher património móvel dos Romeiros que possa pertencer a um futuro Museu do Romeiro.

“É algo que este grupo coordenador gostaria de criar para homenagear e consolidar esta tradição religiosa açoriana, particularmente de São Miguel”, disse João Carlos leite, lembrando que desde o inicio o Grupo Coordenador do MRSM procura um espaço para constituir a sede do Movimento.

“Todos gostamos de ter uma casa e, este espaço, pode contribuir para a convergência dos romeiros o que também é bom”, refere ainda o Coordenador.

Por isso, “todas as propostas que nos valorizem e contribuam para o aprofundamento do carisma e para a aproximação dos romeiros às suas comunidades são sempre bem vindas”, conclui.

O MRSM está a finalizar o seu novo regulamento para enviar ao Bispo de Angra para aprovação, o que deverá acontecer até à abertura do novo ano pastoral. Até lá, irão repetir-se as reuniões nas ouvidorias para fazer o balanço do ano pastoral que agora termina.

Um dos momentos altos foi o acolhimento do Movimento pelo Papa Francisco que recebeu dois elementos do Grupo Coordenador em Roma, no passado mês de dezembro.

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Romeiros de São Pedro estendem a mão à comunidade

Rancho cria Brigada Organizada de Atividades Sociais junto da população mais desfavorecida

A BOAS- Brigada Organizada de Atividades Sociais- é a mais recente iniciativa do Rancho de Romeiros de São Pedro, que de há cinco anos a esta parte tem vindo a desenvolver uma ação solidária junto da comunidade, quer na recolha de roupas quer de alimentos.

“Eles têm um sentido enorme de solidariedade e encontraram nestas ações uma forma de prolongarem o espirito da Romaria, envolvendo-se diretamente com a comunidade, sobretudo, com uma faixa da população mais desfavorecida” disse ao Sítio Igreja Açores o pároco, Pe João Maria Brum.

A BOAS foi constituída há um ano e para além da recolha semanal de alimentos e roupas usadas iniciou também uma ajuda escolar a crianças desfavorecidas que tenham dificuldades de aprendizagem através de um sistema de explicações dadas por voluntários, alguns romeiros e outros de fora do Rancho.

“O Rancho sempre participou em ações pontuais de solidariedade mas num momento de crise como o que atravessamos achámos que tínhamos de atuar mas de forma mais continuada e permanente” disse ao Sítio Igreja Açores Filipe Pacheco, um dos três elementos que integra a BOAS juntamente com Paulo Pacheco e Francisco Wallenstein.

“Dentro dos irmãos com mais formação e disponibilidade damos apoio ao estudo acompanhado de crianças. Tivemos lá uma por exemplo que quando chegou até nós tinha sete negativas. Há áreas que nós não dominamos e aí pedimos ajuda a amigos que o possam fazer e assim estamos ainda a envolver mais gente de forma solidária”, adianta ainda Filipe Pacheco.

As explicações e a recolha de roupa e alimentos realizam-se na sede dos Romeiros de São Pedro, no Alto da Mãe de Deus, em Ponta Delgada, sendo que as recolhas são feitas à terça feira, das 18h00 às 20h00, ou ainda na Quinta do Priôlo, diariamente e na sede dos escuteiros de São Pedro.

Nos períodos festivos, como o Natal, há uma intensificação da campanha de recolha de bens, que são distribuídos prioritariamente pelas pessoas da comunidade.

Outra das ações desenvolvidas por este grupo é a recolha de sangue.

O Rancho tem participado com o Hospital de Ponta Delgada na dádiva de sangue e já “contagiou” o Movimento que em Dezembro passado organizou uma dádiva envolvendo cerca de 60 irmãos romeiros. A próxima ação está prevista para o dia 9 de agosto, na sede dos Romeiros de São Pedro e volta a envolver o Movimento, para além deste Rancho.

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Romeiros do Arcanjo São Miguel. Opinião de Fernando Castro

Caros Irmãos e Amigos,

Na minha condição de romeiro, tomei a liberdade de vos dirigir estas linhas, a fim de partilhar convosco a minha satisfação por, em boa hora, o “Movimento de Romeiros de São Miguel” ter decidido proceder a “um levantamento e recolha, de todo o material existente relativo à história e vida deste Movimento”.
Penso ser da maior importância esta vossa iniciativa (e eventualmente outras, como a da criação de um museu do romeiro), que considero a todos os títulos louvável, o que irá certamente permitir uma maior compreensão e aprofundamento (apesar do que já foi até agora compilado e escrito) sobre as raízes, a história e a espiritualidade desta maravilhosa devoção, que eu próprio decidi abraçar com entusiasmo desde 1983.
Embora não tendo nascido em S. Miguel, devo confessar-vos que me senti fascinado, desde a primeira hora em que para cá vim viver (1980), pela “nossa” cultura religiosa e seus valores. Enfim, por tudo aquilo que o devoto sacerdote e escritor vilafranquense, Padre Ernesto Ferreira, conseguiu, com mestria, descrever no seu livro intitulado “A Alma do Povo Micaelense”.
Se me é permitido, gostaria de partilhar convosco uma curta passagem do referido livro, sobre os Romeiros:
“Não queiras desarreigar de seus corações a mimosa flor da fé; não queiras quebrar o vaso que encerra o perfume das tradições que receberam de seus maiores e que conservam como a mais preciosa herança. Arrancar da alma popular a ideia do maravilhoso, o sentimento de religiosidade, é um crime nefando, porque é tirar-lhe toda a esperança de gozo e de felicidade.”
Pela boca do ilustre sacerdote, se consegue perceber do alto grau de estima que o mesmo nutria pelos Romeiros, e da sua enorme preocupação em querer manter intacta (sem desvios) esta multissecular devoção. Na verdade, não podemos nunca cair na tentação de a querer “modernizar”, ou de querer criar algo de novo que a venha descaracterizar.
Este excerto permite-nos ainda entender muito sobre valor da fé, da alegria e da felicidade que os nossos irmãos romeiros que nos precederam traziam nos seus corações. Nós, também já tivemos a felicidade de experimentar esses mesmos sentimentos.
Como sabeia, os “Romeiros do Arcanjo São Miguel” são um Movimento de oração, de doação e de partilha, alegre e bem-disposto, não obstante as dores, os sacrifícios e as dificuldades, maiores ou menores, que cada romeiro enfrenta na sua caminhada. Sabemos, irmãos romeiros, que não caminhamos sozinhos nesta nossa aventura espiritual: vamos sempre acompanhados e amparados pela Sagrada Família de Nazaré.
“Irmãos: quantos são?”, perguntam os que nos pedem orações. “Somos 38”, responde o irmão “procurador das almas”. Efectivamente, somos 35 irmãos + 3 (Jesus, Maria e José). Assim, como sabeis, está sempre presente connosco a Sagrada Família de Nazaré, que é o modelo perfeito das famílias cristãs. Podemos afirmar que uma das características, ou carisma, deste movimento é o amor à família. Quantos milhares de famílias, para além das nossas, vivem a Romaria, nos apoiam, rezam por nós e nos acolhem nas suas próprias casas? Aqui referimo-nos, obviamente, ao único e exclusivo modelo, natural, de família, querido por Deus e defendido pela Sua Igreja.
Neste contexto, seria talvez oportuno partilhar convosco uma das mais recentes intervenções do nosso Papa Francisco: “Hoje é a memória litúrgica da Bem-Aventurada Virgem Maria de Fátima. Caros jovens, aprendei a cultivar a devoção à Mãe de Deus, com a recitação diária do Rosário; prezados enfermos, senti Maria presente na hora da cruz; e vós, amados recém-casados, invocai-A para que na vossa casa nunca falte o amor nem o respeito recíproco.” (Audiência Geral de 13 de Maio de 2015).
Não encontrarão eco estas reflexões do Santo Padre nos “Romeiros do Arcanjo São Miguel” que, com as contas do Rosário na mão, cantando a Ave-Maria, visitam as “casas de Nossa Senhora”?
Ignorar estas realidades objectivas parece-me, queridos Irmãos, não se ter entendido ainda a verdadeira natureza das “Romarias”.
Pelo facto de sermos “Ranchos de Romeiros do Arcanjo São Miguel”, não o somos menos “Ranchos de Romeiros de Nossa Senhora”, ou “Ranchos de Jesus”.
Usando este mesmo tipo de argumentação (bastante em voga na nossa diocese, infelizmente) não faria qualquer sentido que congregações e ordens religiosas que não ostentam o nome de Jesus nas suas designações, fossem, por esse facto, menos pertença de Jesus. Seria absurdo pensar-se, que pelo facto de se denominarem “Irmãs Servas de Maria Imaculada”, “Congregação de S. José de Cluny”, “Franciscanos da Imaculada Conceição”, estas instituições da Igreja, fiéis ao seu carisma, estivessem mais afastadas de Jesus, do que outras que ostentam o Seu nome. Com toda a franqueza: não estaremos a cair em preciosismos ou modas teológicas que nada têm a ver com a doutrina católica?
Há que respeitar e defender, caros irmãos, a verdade e a integridade dos “Romeiros do Arcanjo São Miguel”. É um dever sagrado de todos os romeiros, ao qual não podemos fugir. Como nos ensina o Papa Francisco, “na piedade popular, por ser fruto do Evangelho inculturado, subjaz uma força activamente evangelizadora que não podemos subestimar: seria ignorar a obra do Espírito Santo.” («Evangelium Gaudium», n.º 126).

Um abraço fraterno do irmão Fernando Castro

Os fios dos xailes dos Romeiros

Desde que os romeiros são romeiros que dos seus xailes caiem fios no chão das estradas, igrejas e casas por onde passam. Um pormenor, sem a mínima importância, que este ano me fez refletir e rezar.

Não houve dia, em que eu não encontrasse um ou mais fios dos xailes destes irmãos na fé que estavam em peregrinação quaresmal. Nos mais díspares e distantes lugares, da nossa ilha, encontrei-me com um silencioso e recatado rasto de fé.

Cada fio falava-me de uma vida, de várias vidas confiadas a Deus durante aqueles dias. No meu coração e mente, fiz de todos eles um novelo de oração, penitencia e partilha porque são destes fios que se fazem uma romaria. Quando chegou o momento de catalogar e guardar esta minha vivência quaresmal escolhi coloca-la no cesto dos Testemunhos. E porquê? Não por ser um dos muitos testemunhos de fé que a Igreja, povo de Deus, no anonimato dos seus fiéis me oferece continuamente, mas porque denunciavam a urgência e o modo como devemos testemunhar o Mestre dos mestres, Jesus Cristo.

Não há hora nem lugar determinado, todo o tempo e espaço é propício para darmos testemunho de Jesus. Não é dia sim, dia não. É em cada dia, na normalidade das nossas vidas, muitas vezes sem nos apercebermos, que as nossas palavras, gestos e escolhas são autênticos fios que marcam a diferença num quotidiano cada vez mais inferente ao amor a Deus e ao próximo.

A propósito, ainda trago na oração o adolescente do Paquistão, com apenas 14 anos, que na semana passada, não hesitou em afirmar-se cristão perante um grupo de adolescentes muçulmanos que responderam à sua coragem com a cobardia de o queimarem vivo. Nauman Masih deu a vida pelo Cordeiro de Deus que se imolou para nossa salvação. Sem dúvida, um mártir dos nossos dias.

Seria eu capaz? Não sei. Sinceramente… não sei! O fato é que nunca fui confrontado com tamanha adversidade, mas tenho a certeza de que perante outras adversidades que me desafiam igualmente a testemunhar Aquele que é a razão da minha fé, tenho que responder com a mesma ousadia e confiança, porque se não o fizer a minha adesão a Jesus será incompleta.

Perante esta certeza, Romeiros e não Romeiros, todos os cristãos, têm de dar razões da sua fé. Uma vez que o Reino de Deus tece-se com os fios, singelos e aparentemente insignificantes, de verdade, de justiça e do amor com que vamos marcando a nossa passagem, a nossa existência. Com estes fios não se fazem enredos, mas novelos, verdadeiramente, da vida real, que vale a pena seguir nos écrans da vida.

Pe. Nuno Maiato

diariodalagoa.com